28.8.20

[Resenha #1710] O Fundo é Apenas o Começo - Neal Shusterman @EdValentina





O Fundo é Apenas o Começo Neal Shusterman , Brendan Shusterman - Editora: Valentina  Classificação: 5 estrelas  Skoob Compre: Amazon
SINOPSE: Uma poderosa jornada da mente humana, um mergulho profundo nas águas da doença mental. CADEN BOSCH está a bordo de um navio que ruma ao ponto mais remoto da Terra: Challenger Deep, uma depressão marinha situada a sudoeste da Fossa das Marianas. CADEN BOSCH é um aluno brilhante do ensino médio, cujos amigos estão começando a notar seu comportamento estranho.CADEN BOSCH é designado o artista de plantão do navio, para documentar a viagem com desenhos. CADEN BOSCH finge entrar para a equipe de corrida da escola, mas na verdade passa os dias caminhando quilômetros, absorto em pensamentos.CADEN BOSCH está dividido entre sua lealdade ao capitão e a tentação de se amotinar.CADEN BOSCH está dilacerado.Cativante e poderoso, O Fundo é Apenas o Começo é um romance que permanece muito além da última página, um pungente tour de force de um dos mais admirados autores contemporâneos da ficção jovem adulta.



RESENHA: 

Em O Fundo é Apenas o Começo, do autor Neal Shusterman, Caden Bosch tem quinze anos e está a bordo de um navio em direção a uma depressão marinha chamada Challenger Deep, na Fossa das Marianas. Seus companheiros são o capitão, o papagaio e a tripulação. Sua principal tarefa é estabilizar o navio, ou seja, correr de um lado para o outro, de bombordo para estibordo. Além de ter que conviver com as ordens do capitão e seu único olho, o brilhantismo incoerente do navegador, as palavras sábias do faxineiro do navio e as descobertas proporcionadas pelo cesto da gávea, Caden também visita todas as noites o sonho da Cozinha de Plástico Branco.  
“Há duas coisas que você sabe: A primeira: você esteve lá. A segunda: você não pode ter estado lá.” (pág. 10)
“– Lá embaixo é a eternidade – sentencia o capitão. – Não permita que ninguém o convença do contrário.” (pág. 12) 
“As coisas que sinto não podem ser traduzidas em palavras, ou, se podem, são palavras numa língua que ninguém pode compreender.” (pág. 16)
“Eis aí uma grande verdade: não há nada feio que não tenha um lado belo.” (pág. 25)
Só que ele não deveria estar viajando pelos mares. Na verdade, Caden tem que estudar para as provas e fazer os trabalhos escolares. E ele também precisa ajudar no desenvolvimento de um RPG com seus amigos. Sem contar as tarefas que precisa fazer, como limpar o próprio quarto e ajudar a irmã no dever de casa. Mas Caden só consegue pensar no menino que quer matá-lo, nos próprios desenhos que se tornaram apenas rabiscos aleatórios, na distração que sente pelas coisas que não vê e nas pessoas que encontra na rua que querem fazer algum mal a ele. 
“O que acontece quando o seu universo começa a sair do ponto de equilíbrio e você não tem a menor experiência em reconduzi-lo ao centro?” (pág. 34)
“Eles ainda não sabem – e nem eu – que este é o começo de algo maior. É apenas a ponta escura de uma pirâmide muito maior, mais funda e mais tenebrosa.” (pág. 40)
“Há um sentido nas coisas do mundo, ainda que só eu possa encontrá-lo.” (pág. 56)
“Estou saltando de um penhasco apenas para descobrir que posso voar... e então perceber que não há lugar algum para pousar. Nem jamais haverá. É isso que está acontecendo.” (pág. 76)
Seus pais acreditam que é ansiedade, estresse ou qualquer outra coisa que os jovens de hoje em dia sentem. Mas Caden só quer andar e desenhar, andar e desenhar, andar e desenhar. Ao ficar parado seus pensamentos o levam a discutir consigo mesmo se algo feito em sua casa pode causar um terremoto na China. Mas ele é esperto, Caden tem certeza absoluta que sabe de tudo. Inclusive sabe que as vozes na própria cabeça, mesmo o atiçando para matar o vizinho, também são engraçadas e o fazem gargalhar sozinho. Ao mesmo tempo o capitão quer montar uma equipe com os melhores tripulantes; enquanto mais detalhes surgem na Cozinha de Plástico Branco.
“As estrelas estão certas. É o resto do universo que está errado.” (pág. 96)
“Os pensamentos-vozes podem dizer mil coisas, mas não me obrigar a fazer nada que eu não queira. O que não os impede de me atormentarem, forçando-me a pensar em fazer essas coisas horríveis.” (pág. 102)
“O que vejo quando fecho os olhos? Vejo além da escuridão, e tanto acima quanto abaixo há uma grandiosidade incomensurável.” (pág. 112)
“Será que estou fora ou dentro do aquário? Porque as regras do “aqui” e do “ali” não têm mais lugares definidos na sua cabeça. Você é tanto os objetos ao redor quanto você mesmo.” (pág. 127)
“Você vê demônios nos olhos do mundo, e o mundo vê um poço sem fundo nos seus.” (pág. 141)
A questão é que Caden Bosch tem quinze anos e não deveria estar vivendo em dois mundos, em duas realidades. Ele não deveria estar dentro de um navio recebendo ordens de um papagaio, ouvindo vozes ou se distraindo por qualquer coisa. Mas é o que está acontecendo. Caden está desenvolvendo uma doença mental, a mesma que acomete milhares de pessoas ao redor do mundo. Ele precisa de tratamento e é isso que seus pais irão providenciar. 
“Se a única medida da realidade que se tem é a própria mente... o que acontece quando ela se torna uma mentirosa patológica?” (pág. 157)
“Garotos mortos são postos em pedestais, mas garotos com doenças mentais são varridos para debaixo do tapete.” (pág. 162)
“O mundo adora rir dos absurdos da insanidade. Acho que o que faz as pessoas acharem tanta graça é o fato de ser uma distorção grotesca da realidade.” (pág. 199)
“Quando a verdade dói, sempre sentimos ódio do mensageiro.” (pág. 202)
“Só porque a viagem é longa, não significa que você deva participar dela para sempre.” (pág. 217)
“Eu já estava predestinado para essa viagem muito antes de pisar no convés.” (pág. 229)
Não consigo colocar em palavras o quanto esse livro mexeu comigo. O que posso dizer é que não é uma leitura fácil. Não falo isso por conta da escrita do autor que de alguma forma dificulta nossa compreensão. Pelo contrário, ele é objetivo. O que estou dizendo é que não é nada fácil descobrir de pouquinho em pouquinho, junto com o personagem, a doença mental que ele está desenvolvendo – inclusive, em momento algum o autor deixa claro qual o nome da doença. Me senti de mãos atadas e incapacitada durante toda a leitura. Dói muito o coração ler os indícios dos sintomas, a reação dos pais quando percebem que algo está errado e a forma como Caden vai se destruindo. 
“Este lugar é um inferno com o qual estou familiarizado. E o diabo que a gente conhece é melhor do que o que não conhece.” (pág. 243)
“Se todos se convenceram de que é razoável mentir para o meu próprio bem, como posso acreditar no que dizem?” (pág. 251)
“Não há milagres por aqui, disse o papagaio; mas também não há desespero, apesar do que a serpente quer que eu acredite.” (pág. 269)
Os capítulos são bem curtinhos. É como se o autor soubesse desde o inicio que a gente precisaria parar a leitura, respirar, absorver a situação e, só depois de longas horas, voltar a ler. Alguns desenhos feitos por Brendan Shusterman, filho do autor, e que estão distribuídos em algumas páginas, dão vida aos pensamentos incoerentes do nosso personagem principal. Ficamos sabendo que Brendan já visitou as profundezas da esquizofrenia e, por isso, emprestou também algumas informações ao pai. 

A narração é feita por Caden em primeira pessoa. Em um determinado momento, o autor modifica a escrita. Ele começa a falar diretamente com a gente, usando a palavra “você”, e nos colando na posição de Caden. Essa mudança transforma a leitura em algo muito mais difícil, como se os demônios fossem nossos. Mas depois a narração volta a ser em primeira pessoa, o que diz muito sobre a situação de Caden. Mesmo assim o estrago foi feito. 
Inicialmente, o mundo fantasioso de Caden não faz muito sentido. Mas preste atenção nos detalhes e nas informações dessa viagem. Existe uma ligação entre os dois mundos que surge na metade do livro. Só assim as coisas começam a fazer sentido. Por exemplo, Caden vê marinheiros saltando do cesto da gávea em sua fantasia. Logo em seguida, ele faz a mesma coisa no mundo real. Não só algumas situações, mas repare também que muitos dos personagens que estão a bordo surgem em sua realidade dentro do hospital. 

Falando em personagens, sentimos muita empatia por Caden. Queremos o melhor para ele desde o começo, o que explica a dor que sentimos ao observar sua deterioração. Como só temos o ponto de vista dele, não sabemos com exatidão como sua família e amigos tiveram certeza da doença. De início, dá vontade de dar uma sacudida em seus pais para alertá-los. Depois, percebemos o sofrimento deles. Um dos meus momentos favoritos envolve a percepção de Caden dessa situação:
“Minha doença nos arrastou por mil fossas, e, embora a minha tenha sido a das Marianas, não vou minimizar a provação por que a minha família passou.” (pág. 272)
O Fundo é Apenas o Começo é angustiante e desolador. Mas é necessário. Em nenhum momento a doença mental é romantizada. Pelo contrário, o autor faz questão de transportar a gente para a mente bagunçada e entorpecida de Caden. Sem dó, sem finais felizes e sem piedade. Não espere uma história leve e rápida. Estamos falando de uma situação desesperadora, verdadeira e impactante. O que posso adiantar é que muitas lágrimas serão derramadas, o coração ficará apertado e você terá uma vontade muito grande de abraçar o Caden para dizer que tudo vai melhorar. 


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