Raquel Cozer, na Folha de S.Paulo
Seria
apenas meia hora de conversa por telefone e o assunto não poderia fugir
muito de “Wild Cards”, série coletiva sobre super-heróis que George
R.R. Martin edita e na qual escreve desde os anos 1980. Duas das
condições com as quais chegou até mim, no mês passado, a possibilidade
de entrevistar o autor de “As Crônicas de Gelo e Fogo”, que nunca tinha
falado a jornais do Brasil, país que está entre aqueles onde ele tem
hoje mais leitores.
Confesso
que bateu aflição à medida que lia entrevistas com ele. GRRM é um bom
entrevistado, mas a paixão que sua obra desperta e a atenção implacável
de fãs fez com que já fosse questionado sobre todo assunto que se possa
imaginar, e as respostas tendem a se repetir. No fim, até ajudou falar
de um tema menos abordado, “Wild Cards”, cujo volume 1 a editora LeYa
acaba de pôr nas lojas (o segundo e o terceiro saem em novembro). E, é
claro, fui encaixando na conversa as “Crônicas” e “Game of Thrones”, a
série da HBO baseada nos livros.
Em
“Wild Cards”, como nas “Crônicas”, GRRM dá um tratamento mais adulto,
por assim dizer, a temas que tendem a ser associados ao juvenil
(super-heróis, fantasia), com violência, política e sexo como pano de
fundo. A boa notícia para os fãs das “Crônicas” é que GRRM hoje quase
não ocupa seu tempo escrevendo para “Wild Cards”, embora editar a obra
seja, como ele diz, “o trabalho mais desafiador” nesse sentido.
“Wild
Cards”surgiu como RPG nos anos 1980. GRRM convidou vários amigos nerds a
escrever contos a partir dessa premissa: um vírus alienígena que, em
1946, infectou terráqueos com sintomas imprevisíveis, matando muitos,
dando superpoderes a uns e deixando outros deformados. Nisso, já foram
22 livros, histórias isoladas com personagens que se repetem e cujo fio
narrativo é unificado. Cabe a GRRM reescrever muita coisa e fazer o
conjunto funcionar, “conduzindo a sinfonia como se fosse uma big band”.
Folha
– O sr. se tornou escritor devido ao interesse por quadrinhos, como
costuma dizer, e em “Wild Cards” o sr. leva os super-heróis dos
quadrinhos para a literatura. Como é usar na literatura um tema tão
característico das HQs?
George R.R. Martin - Bom, nós buscamos, nos livros,
fazer uma abordagem mais realista. Para começar do básico: eu amo
quadrinhos, cresci lendo quadrinhos, mas há muitas convenções no formato
que não fazem sentido quando você pensa nelas. A noção de que alguém
que consegue superpoderes vai imediatamente comprar uma roupa de spandex
e combater o crime. Não acho que isso funcione. No mundo real, se você
conseguisse superpoderes, se eu tivesse a habilidade de voar, bem,
provavelmente eu ainda seria um escritor, com a diferença de que não
andaria mais de aviões. Isso iria mudar minha vida, mas não como
acontece nos quadrinhos.
Então
essa foi a situação quando pensamos no básico. Partimos da premissa:
ok, depois da Segunda Guerra, algumas pessoas conseguiram superpoderes.
Poderes e habilidades que vão muito além daquelas dos simples mortais. E
começamos a pensar como o mundo seria transformado, como a vida das
pessoas atingidas seria transformada.
Outra
diferença entre “Wild Cards” e outras histórias de heróis é que a série
lida mais diretamente com a história real e, conforme ela passa, muda
seus rumos.
Sim, o realismo nos fez colocar os super-heróis no tempo real,
interagindo com o mundo real. Por exemplo, eu lembro, quando era garoto,
que estava na escola e apareceu o Homem-Aranha. Ele estava no ensino
médio, igual a mim. Houve uma identificação imediata, e pude entender
problemas pelos quais ele estava passando. Então me formei no ensino
médio e entrei na faculdade, e o Homem-Aranha terminou o ensino médio e
entrou na faculdade, Peter Parker fez isso. Estávamos mudando.
Mas
saí da faculdade em quatro anos, e o Homem-Aranha levou uns 20 anos
para se formar. E, depois que saiu da faculdade, ficou preso naquela
coisa de ser um cara de 20 e poucos anos que tinha acabado de sair da
faculdade. E ficou um tempo casado, e depois não estava mais casado,
disseram que o casamento nunca tinha acontecido. Você pega um livro do
Homem-Aranha hoje e ele ainda tem lá seus 23 anos e saiu da faculdade
poucos anos atrás. Lembro ter lido livros do Homem-Aranha em que ele
estava envolvido em demonstrações dos anos 1960 conta a Guerra do
Vietnã… Obviamente, o tempo dos quadrinhos não faz o menor sentido. Ele
era da minha geração e agora é parte de uma geração muito mais jovem.
O
Superman veio à Terra nos anos 1920, eu acho, e aterrissou pequeno e se
tornou o Superman público no final dos anos 1930, mas, agora, se você
lê os livros, ele veio à Terra em 1995 ou algo assim. Os criadores ficam
revisando a história para mantê-los eternamente jovens, e essa é uma
armadilha na qual decidimos não cair em “Wild Cards”. Queríamos fazer
algo mais ligado ao tempo real. Heróis que conseguiram seus superpoderes
em 1946, data do primeiro “Wild Cards”, e tivessem 20 anos naquela
época, bem, agora eles estão aposentados, estiveram casados, têm filhos e
casaram de novo e seus filhos cresceram. Eles tiveram todo tipo de
problema que as pessoas têm ao longo da vida. Ser superforte ou lançar
raios pelos dedos não eliminam os problemas que as pessoas têm na vida
real.
E como surgem esses novos heróis com o tempo, à medida que os outros envelhecem?
Isso depende. A genética de “Wild Cards” é complicada. É uma mudança na
estrutura genética e se torna uma… Se os dois pais têm o vírus do “Wild
Cards”, então a criança seria um Carta Selvagem [na tradução da LeYa,
embora o título do livro seja em inglês, os infectados recebem no texto o
nome em português], mas poderia também morrer, porque 90% das pessoas
que pegaram o vírus e tornaram Rainha Negra [gíria para morte usada nos
livros], como dizemos, morrendo. E 10% viram Curingas [personagens que
ficam deformados], só um em cem se torna Ases e acabam como
super-heróis. O bebê infectado tem as mesmas chances de qualquer um, não
é algo simplesmente herdado.
Os Curingas, nesse sentido realista, são importantes para tratar de questões como o preconceito, não?
Sim, sim. Muitas mutações não são boas. Queríamos dizer: ‘Sabe, se você
sofresse uma mutação como essas dos quadrinhos, seria possível que isso
não fosse tão bom, e isso é muito mais provável que uma mutação boa,
inclusive’. Isso torna a história diferente de qualquer outra da Marvel,
da DC Comics, Universal, a comunidade Coringa e a existência desse
segundo time junto com os superpoderosos Ases, isso é algo que ninguém
mais faz.
Acontece
de um autor escrever para “Wild Cards” algo que o sr. acha que não vai
caber na história como um todo e isso ser vetado? Como é escrever em
equipe para um autor tão acostumado a escrever sozinho [como em "As
Crônicas de Gelo e Fogo"]?
Isso acontece o tempo todo. Vem acontecendo há 20 anos, e por isso sou
necessário como editor. Os autores escrevem suas histórias e meu
trabalho principal, além de também escrever as minhas, é juntá-las. E há
um grande trabalho de reescrita envolvido, porque as histórias nunca
ficam perfeitas juntas de primeira. Às vezes, tenho autores que escrevem
duas cenas que se contradizem ou que se duplicam, e essencialmente eu
conduzo a sinfonia aqui, como se fosse uma “big band”, com todos os
instrumentos e personagens funcionando juntos.
É
um trabalho difícil. Editei uma série de publicações ao longo dos anos,
mas o trabalho envolvido em “Wild Cards” é certamente o mais desafiador
tipo de edição, simplesmente porque você tem que pensar em equipe e ao
mesmo tempo conseguir boas histórias dos escritores. Criamos um
mecanismo pelo qual o criador de cada personagem revisa o texto quando
seu personagem é usado por outro escritor. Além de mim como editor, os
escritores interagem. Então, se alguém vai usar um personagem meu, como o
Tartaruga, posso dizer: ”Não, ele não diria isso dessa maneira”, ou
“Ele nunca faria isso”. Muita reescrita. Mas, felizmente, a maior parte
dos escritores faz o trabalho com muita vontade, adora escrever sobre
esses personagens e esse universo.
Há algum personagem de outros autores que você gostaria de ter criado?
Provavelmente o Dorminhoco, que foi criado por Roger Zelazny, um amigo
querido e um dos melhores escritores que a ficção científica já
produziu. É muito original, parte do time original [personagens do
primeiro livro]. O Dorminhoco é flexível, tem suas características, mas
pode caber em praticamente qualquer história dos outros autores, às
vezes como herói, às vezes não. E ele é um homem do nosso tempo. Ele
vive em 2013, era um garoto quando o vírus chegou à Terra, em 1946,
então ele se lembra de um mundo diferente. Toda vez que ele vai dormir,
não sabe como vai acordar [se com poderes de Ás ou deformidades de
Coringas] ou se vai acordar. É um personagem incrível, provavelmente o
mais icônico do “Wild Cards”.
Atualmente
a série está saindo em vários países, mas a maior parte das histórias
se passa nos Estados Unidos. Não pensam em torná-la mais global?
A maior parte das histórias se passa em Nova York. Mas, de tempos em
tempos… O quarto livro da série, chamado “Aces Abroad”, é um livro no
qual os personagens fazem uma turnê mundial, visitam várias cidades.
Acho que eles passam pelo Brasil, embora não tenham uma história aí. Mas
temos uma história no Peru. E temos histórias no Oriente Médio, na
Europa Oriental e Ocidental, no Japão. Depois, muitos volumes depois,
aparecem histórias que têm uma base mundial. A série que começa com
“Inside Straight”, volumes 18, 19 e 20, começa em Los Angeles, passa
para o Egito e o Oriente Médio, e lá e personagens se envolvem com a
ONU. Tentamos dar um sabor mais global. Soube que no Brasil pediram por
esses livros, gostaria de sediar histórias aí. Isso seria divertido.
Os
direitos de adaptação foram comprados pela Universal para o cinema. Em
que pé está isso? O sr. lida bem com a ideia de transformar a série em
um único filme, algo que não quis aceitar para “As Crônicas de Gelo e Fogo”?
Bom, Wild Cards não é bem uma história, são centenas de histórias, é um
mundo. Esperamos que o primeiro filme conte uma história de um grupo
particular de personagens, e, se fizer sucesso, o segundo filme pode ser
com um time completamente diferente de personagens. E pode ser no
passado, no futuro. Temos centenas de personagens e histórias. É uma
franquia incrível, que funciona para uma série de filmes, que é o que
esperamos conseguir, ou para uma série de TV, o que pode vir a acontecer
se os filmes fizerem sucesso. Mas agora estamos no estágio inicial,
Melinda Snodgrass [uma das autoras da série e coprodutora, com GRRM, do
fillme] está escrevendo o roteiro, está no segundo rascunho. Estamos
esperando.
Os leitores no Brasil o conhecem mais como autor de fantasia que de ficção científica. É diferente criar uma e outra?
Não há grande diferença. Em ficção científica, você tem aliens e naves
espaciais; em fantasia, tem dragões e cavaleiros, mas de toda forma está
contando histórias, e o coração de toda história, no passado, no
presente ou no futuro, seja ficção científica, seja mistério, seja
romance, o coração de qualquer história são os personagens. Se você tem
bons personagens, que os leitores achem interessantes e com os quais se
preocupem, sua história vai funcionar. Não importa o gênero.
William
Faulkner, o grande escritor americano, uma vez disse que o coração
humano em conflito consigo mesmo é a única coisa sobre a qual vale a
pena escrever, e acredito nisso. Não acho que o gênero importe tanto.
Se o gênero não importa tanto, e considerando
que o sr. gosta de histórias muito realistas, envolvendo questões
políticas, violência, sexo, nunca pensou em escrever abrindo mão da
fantasia?
Gosto de violência, sexo e política, é verdade [risos]. Mas fantasia,
bom, eu amo a fantasia, ela permite usar a imaginação. Quando eu era
criança, vivia uma vida de imaginação. Éramos pobres, não tínhamos
dinheiro, não íamos a lugar nenhum. Vivíamos perto de um canal, e eu
olhava a água, e eu via embarcações o tempo todo indo a Hong Kong ou
Japão ou França ou Brasil, eu olhava para as bandeiras e imaginava quem
estava naqueles navios. Daí começava a pensar também como seria estar em
naves espaciais ou com aliens. É tudo imaginação. Amo ser levado a
mundos fabulosos de maravilhas e cores.
O sr. ainda tem tempo para se dedicar a “Wild Cards”? Os leitores de “As Crônicas de Gelo e Fogo” permitem isso?
Bom, alguns ficam irritados. Mas, dito isso, hoje não escrevo muito
para “Wild Cards”. Faço a edição, que é algo que demanda tempo, mas não
tanto quanto escrever as histórias. Gostaria de escrever mais para “Wild
Cards”, adoro esse mundo, adoro meus personagens nesse mundo, mas não
posso até terminar as “Crônicas de Gelo e Fogo”. Essa é a minha
prioridade, ainda tenho dois livros a terminar e isso vai me tomar
alguns anos, e ainda tenho a série de TV vindo atrás de mim.
Como
é a receptividade de “Wild Cards” entre os fãs? Eles não chegam a ser
intensos como os das “Crônicas de Gelo e Fogo”, imagino.
Eles existem em menor número. “As Crônicas de Gelo e Fogo” são a coisa
mais bem-sucedida que fiz, então tem mais leitores. Mas os fãs de “Wild
Cards” também sabem ser intensos, formam relações com personagens
diferentes. Odeiam alguns, amam outros, discutem quem venceria quem numa
briga. É sempre interessante. No geral, adoro a intensidade dos fãs.
Você quer que eles se importem, que discutam os livros e implorem por
lançamentos. A pior coisa para um escritor é quando os leitores não se
importam, o que é a triste verdade para a maior parte dos escritores.
Sobre
a relação com fãs, o sr. já disse que prefere não ler o que eles
escrevem, como as fanfics [histórias de fãs usando universos de um
escritor], inclusive para não ser acusado de plagiá-los. Como lida com a
ideia de que um dia deixará sua história de herança para outros, como
aconteceu com Tolkien?
[pausa] Bem, algum dia, eu imagino, sim…
Digo, um dia num futuro distante, é claro.
Certo [risos]. Não me preocupo com o futuro distante. Acho que o presente me mantém ocupado o suficiente.
Certo [risos]. Não me preocupo com o futuro distante. Acho que o presente me mantém ocupado o suficiente.
O
sr. lida com muita pressão para terminar as “Crônicas”, há quem até
tenha medo de que não consiga terminar o sétimo livro, dado que já se
passaram mais de 20 anos desde que começou a escrever e ainda faltam
dois títulos. O sr. costuma dizer que guarda na memória, mas não tem
algo no computador, uma linha geral, algo que eventualmente sirva como
base num futuro distante?
Tenho alguma coisa anotada, sei para onde está indo a história e estou
seguindo isso. Não tenho todos os detalhes anotados, isso é algo que
prefiro pensar à medida que escrevo. Essa é a aventura de escrever,
quando os personagens e a linha da história vão para lugares não
imaginados, mas sei as principais coisas que vão acontecer. Sou um
escritor lento, reescrevo tudo. Não imagino que isso vá mudar, então as
pessoas que ficam aflitas com a chegada dos meus livros vão ter que se
acalmar e lidar com isso. Não posso ir mais rápido só porque estão
impacientes.
Quando
o sr. começou a criar “Wild Cards”, não se usava a internet. Com o
tempo se popularizaram não só a internet como ferramentas de pesquisa,
como o Google, e de organização. Há escritores que usam Excell, que nem é
uma ferramenta nova, para se organizarem. Como lida com essas
tecnologias?
Elas foram bastante úteis para “Wild Cards”, preciso dizer. Quando
começamos, e estamos falando do início do início dos anos 1980, com o
primeiro livro saindo em 1987, não havia internet. Muitos dos escritores
nem computadores tinham, era tudo na base da máquina de escrever.
Tínhamos de redigitar as histórias, e então havia ligações telefônicas,
enormes distâncias a superar… Mas isso mudou com o tempo.
Na
metade dos anos 90, vários de nós já estávamos na internet, e existia
um serviço, que não existe mais, da General Electric, que tinha fóruns e
mensageiros, nos quais você podia tratar assuntos privados. Criei
diferentes tópicos sobre “Wild Cards”, e discutíamos ali, o que
certamente era bem mais fácil que fazer ligações telefônicas e mandar
pelo correio os manuscritos ao redor dos Estados Unidos. Agora, é claro,
está tudo na internet, mandamos tudo por e-mail. Isso faz as coisas
mais fáceis quando você trabalha em grupo.
Agora,
com as “Crônicas de Gelo e Fogo” não uso nada disso. Sou só eu,
sozinho, com meu computador, escrevendo histórias. Sim, quando termino
posso mandar por e-mail ao meu editor, mas é algo muito básico para
escrever. Não uso nenhum tipo alta tecnologia. Na verdade, faço a maior
parte do meu trabalho num DOS [sistema operacional comum nos
computadores até os anos 1990].
E
também tenho algo que não chega a ser uma tecnologia nova, que é função
de busca do computador, o que torna fácil encontrar detalhes como as
cores dos olhos dos personagens. Tenho um arquivo gigante que contém
todos os cinco livros e posso pesquisar neles para evitar contradições.
O sr. trabalha como consultor de “Game of Thrones”,
série de TV baseada nos livros, sem poder de veto, até onde entendo.
Como lida com as mudanças feitas pelos roteiristas, que estão mais
comuns nesta terceira temporada? Há alguma solução deles que o sr.
chegou a achar melhor do que o que estava no livro?
Bom,
adoro a série de TV, mas gosto mais dos livros. Foi de grande ajuda
para mim, em relação a série, o fato de eu ter trabalhado em TV por dez
anos, nos anos 1980 e 1990 [foi roteirista das séries "Além da
Imaginação" e "A Bela e a Série"]. Não trabalhava na criação, adaptava
material de outros escritores. Então sei o tipo de alterações que são
necessárias, em geral por questões práticas, como ter só uma hora por
episódio, ter que encaixar tudo num certo orçamento.
O
orçamento de “Game of Thrones” é grande na comparação com outros do
tipo, mas ainda é um orçamento. Você não tem todo o dinheiro de que
precisa nem pode contratar todos os atores de que gostaria. Com isso,
personagens têm de ser combinados, outros têm de ser modificados,
situações também. Temos dez episódios por temporada. Sempre disse que o
ideal seriam 12 episódios, o que permitiria aproveitar mais personagens e
situações que infelizmente ficam de fora, mas seria caro. Dez episódios
é o que temos, e acho que fazem um trabalho excelente com isso. De
algumas das mudanças eu gosto, por outras não são sou tão apaixonado.
Mas entendo a necessidade de todas elas.
Pode dar exemplos de mudanças de que goste ou não?
Acho que as novas cenas que estão inventando para o programa estão
funcionando, muitas são perfeitas, algumas das melhores da série estão
nesses episódios. Sinto falta de algumas das cenas com o Mance [Ryder]
ou diálogos que foram cortados. Algumas mudanças eu não faria. Fiz os
livros por razões que eram minhas e prefiro na maior parte dos casos
elas tal como estão nos livros.
Impressiona a dimensão geográfica e genealógica que a história toda tomou. Ela chega a fugir do seu controle?
Isso é uma razão por que demoro tanto escrever. A história foge
constantemente do meu controle. Reescrevo muito, vou seguindo os
personagens e às vezes eles me levam pelo caminho errado, então tenho
que voltar e entender o que deu errado. E então reescre, coloco numa
ordem diferente, até entender como deve ser.
O
sr. usa com muita frequência os chamados cliffhangers [estratégia para
prender o leitor ao final de cada capítulo]. Diria que é uma forma de
arte?
Sim, definitivamente. Esses dez anos em que fiz televisão me ensinaram
muito sobre isso. Não sei como é no Brasil, mas, na TV americana, os
programas têm muitos comerciais. E é preciso que a cada ato,
considerando que um programa tem de quatro a cinco atos em uma hora,
exista o chamado “act break”, que pode ser um cliffhanger, embora não
precise ser. Algo como uma revelação, um personagem que descobre algo,
alguma coisa que impeça que o espectador mude de canal no comercial e
que o faça pensar no que vai acontecer.
Essa
é uma técnica boa, que prende as pessoas na história. Em “Game of
Thrones”, mesmo não tendo intervalos, eu queria que cada capítulo
terminasse com um “act break”. Alguma coisa acontecendo do final de cada
capítulo, por exemplo, da Arya, que fizesse você imediatamente querer
saber o que acontecerá no capítulo seguinte. Mas você não pode saber
isso imediatamente, porque agora tem que ler um capítulo do Tyrion ou do
Jon Snow. E então você lê o capítulo do Tyrion e ali acontece algo que
faz você querer ler o próximo capítulo dele. O ideal é que funcione com
todos os personagens. Não é uma técnica fácil, mas acho que tem
funcionado.
Qual
o sr. diria que é o tema central das “Crônicas” e o que elas refletem
da visão que o sr. tem de política ou das sociedades atuais?
Um tema central é certamente a disputa de poder. As relações de
políticas e de governos. Mas prefiro pensar menos em temas e mais em
histórias individuais, o que nos leva de volta aos personagens, à
questão do coração de que falou Faulkner. Estou mais interessado no que
Jon ou Dany faria agora do que nas falhas das sociedades médias como um
todo. Os personagens se tornaram muito verdadeiros para mim e espero que
também para ao leitor.
O
mundo é minha criação. Não estou interessado em criar uma alegoria ou
fazer um comentário político ou social, mas inevitavelmente meus pontos
de vista e minhas opiniões estão lá, porque eles fazem parte de mim.
Este é o cara! Sem mais! rs
ResponderExcluir