2.5.18

[Resenha #1617] A Garota Alemã - Armando Lucas Correa @grupopensamento


A Garota Alemã
Armando Lucas Correa
ISBN-13: 9788555390968
ISBN-10: 8555390966
Ano: 2017
Páginas: 408
Idioma: Português
Editora: Jangada
Skoob
Classificação: 5 estrelas
Compre: Amazon

Sinopse: Baseado numa história real, A Garota Alemã é um romance magistral. A bordo do famoso transatlântico St. Louis, uma garota de 11 anos e 936 refugiados judeus fogem da Alemanha Nazista. Berlim, 1939. Hannah Rosenthal, de 11 anos, tinha uma vida de contos de fadas. Ela passava as tardes no parque com seu melhor amigo, Leo Martin. Mas, agora, as ruas estão cheias de nazistas. Eles vislumbram uma esperança para sair desse inferno: o St. Louis, um transatlântico que pode propiciar aos judeus uma travessia segura para Cuba. Mas logo as circunstâncias da guerra mudam e o navio que era sua salvação agora parece ser a sua sentença de morte. Nova York, 2014. Anna Rosen, ao fazer 12 anos, recebe um envelope misterioso de Hannah, uma tia-avó que criou o pai falecido. O conteúdo do envelope inspira Anna e a mãe a viajarem a Cuba para conhecer Hannah e descobrir a verdade sobre o trágico passado da família.



Resenha:

O livro A Garota Alemã, escrito pelo autor cubano Armando Lucas Correa, é baseado na única viagem realizada pelo transatlântico St. Louis, em 1939, na Alemanha Nazista. Era um período pré-guerra e ele partiu em direção a Cuba levando muitos refugiados, mas por conta de limitações impostas pelo governo cubano, apenas alguns deles conseguiram desembarcar. Gustav Schroder, o capitão, fez de tudo para ajudar as pessoas que estavam sob sua responsabilidade, inclusive ele tentou a sorte com outros países, mas Canadá e Estados Unidos também recusaram receber os refugiados. Apenas alguns lugares da Europa aceitaram ajudar. Sendo assim, Grã-Bretanha aceitou 287; França aceitou 224; Bélgica ficou com 214 e Holanda com 181 pessoas. Infelizmente, mesmo já fora da Alemanha, muitas dessas pessoas foram enviadas para campos de concentração ou sofreram com a guerra durante os anos que se seguiram.  




“No final, não matei meus pais. Não foi necessário. Papa e Mama arcaram com a culpa. Eles me forçaram a me atirar no abismo junto com eles.” (pág. 15)
“No final, sei que, por mais que eu me lave, queime minha pele, corte meu cabelo, arranque meus olhos, fique surda, me vista ou fale de forma diferente ou adote um nome diferente, eles sempre vão me ver como alguém impuro.” (pág. 20)
“Ninguém nem acha necessário colocar uma máscara para nos ofender. Somos o delito; eles são a razão, o dever, a execução. Os Ogros nos agridem, gritam insultos e nós temos de aguentar calados, silenciosos, mudos, enquanto eles nos expulsam.” (pág. 30)
“Berlim está cheio de Ogros. Em cada quarteirão há um vigilante. Eles são encarregados de delatar, perseguir, tornar impossível a vida de todos que pensam de modo diferente; que vêm de famílias que não se encaixam no seu conceito de família. Precisamos ter cuidado com eles e com os traidores, que pensam que podem se salvar nos denunciando.” (pág. 37)
Entre as mais de 900 pessoas que subiram a bordo do St. Louis, conhecemos a personagem Hannah Rosenthal, uma garota de 11 anos. Porém, antes de entrar no navio que mudaria para sempre a sua vida, Hannah nos apresenta o seu dia a dia ao lado dos pais, um casal que tenta esconder o medo que estão sentido pelo que está sendo instaurado no país deles. Também conhecemos a sua rotina ao lado de Leo, o seu melhor amigo. Os dois enxergam de perto o que os Ogros estão fazendo com as pessoas consideradas impuras, o que restou de seus lugares favoritos nos bairros de Berlim e como a alienação chegou ao coração dos outros alemães.  
“O bom da música, como ele sempre diz, é que você pode levá-la junto a você, na sua cabeça. Ninguém pode roubá-la.” (pág. 60)
“Acordo, mas ainda não sei quem sou: Hannah ou Anna. Sinto como se fôssemos a mesma garota.” (pág. 62)
“Agora tenho um objetivo: descobrir quem foi de fato meu pai.” (pág. 69)
“Quantas bandeiras mais esta cidade vai suportar?” (pág. 73)
“Nada mais pode nos acontecer: estamos vivendo num estado de terror, numa guerra ainda não declarada; não acho que exista muita coisa pior do que isso.” (pág. 82)
“Sou eu que posso resistir, que no final ficarei sem pai para me proteger de fantasmas, bruxas, monstros. Mas não dos Ogros. Ninguém pode nos defender deles.” (pág. 88)
“Para eles, todos nós somos farinha do mesmo saco, e sei que desse inferno ninguém mais volta.” (pág. 89)
“Hoje em dia, o cianeto é tão precioso quanto ouro.” (pág. 107)
“Tudo o que queremos é fugir; isso é o que mais queremos no mundo.” (pág. 107)
Muitos anos depois, em 2014, conhecemos Anna, também com 11 anos, que mora em Nova York. Sua mãe sofre todos os dias com a perda do marido, que morreu em 2001. Anna, com sua maturidade, pensa sempre em como seria sua vida sozinha no mundo, porque nem mesmo ela tem esperanças de conseguir tirar sua mãe desse infortúnio. Todos os seus dias são baseados na única foto que tem do pai. É com essa foto, ao lado de sua cama, que ela encontra forças para não sucumbir também. Somente uma coisa é capaz de talvez colocar um fim no sofrimento de Anna: um pacote enviado por Hannah Rosenthal, sua tia-avó. 
“A bandeira dos Ogros tremula numa extremidade do navio. Abaixo dela, em letras brancas, um nome que vai ficar conosco para sempre: St. Louis.” (pág. 128)
“Seremos para sempre exilados, o povo que ninguém quer, expulso de seus lares desde eras remotas.” (pág. 130)
“Leo é a única pessoa a bordo que pode me fazer esquecer o passado, porque ele é muito presente.” (pág. 159)
“Os jornais não vencem batalhas.” (pág. 183)
“Alguém terá que pagar por isso.” (pág. 193)
“Em Cuba, eles nos subestimam; o resto do mundo nos ignora. Todos baixam os olhos, sem saber o que fazer; como se tentassem se livrar do embaraço. Querem lavar as mãos para se livrar da culpa.” (pág. 197)
“Nesta ilha, não existe passado nem futuro. O destino é o hoje.” (pág. 239)
“O que havíamos feito? Até quando teríamos de suportar tanto sofrimento?” (pág. 256)
“Numa época de tristezas que tornou todos nós infelizes, cada um encontrou a salvação como pôde.” (pág. 269)
“Eu passei minha vida toda cobrindo as paredes do meu quarto com fotos, e tia Hannah passou a vida se livrando delas.” (pág. 273)
“(...) para os Rosenthal a felicidade sempre seria uma utopia.” (pág. 283)
“É verdade que ela perdeu o marido e eu perdi meu pai, mas tia Hannah perdeu toda a sua vida.” (pág. 309)
“A pessoa deve saber de onde veio. Precisa saber como fazer as pazes com seu passado.” (pág. 330)
“A cada minuto, eu me vejo em Anna; no que eu poderia ter sido, mas não fui.” (pág. 344)
“É hora de pôr um ponto-final; até mesmo a dor tem data de validade.” (pág. 345)
“Eu mantive minha promessa, Leo.” (pág. 347)
“E, como sabemos, nas guerras, o silêncio é uma bomba-relógio.” (pág. 349)
A princípio, o livro alterna a narração em primeira pessoa de Hannah, que acontece em Berlim, no ano de 1939, com a de Anna, que acontece em Nova York, em 2014. Ele é dividido em quatro partes: a primeira é basicamente os antecedentes da vida de Hannah até o embarque e o que está acontecendo com Anna; a segunda é uma narração de Hannah nos dias a bordo do St. Louis, dividido por datas e com algumas páginas dedicadas aos cabogramas (mensagens) e frases extraídas de jornais que realmente existiram; a terceira volta a intercalar as narrações, mas o cenário agora é Cuba para ambas as meninas, no presente e no passado; e, por fim, a quarta parte traz o desfecho de uma vida e a continuação de outra. 


Essa narração intercalada pode até ser confusa no começo, já que as vidas das duas meninas se entrelaçam de tal forma que parece que estamos lendo apenas sobre uma delas. Mas com o decorrer dos acontecimentos vamos percebemos que, mesmo com a mesma idade, aparência física e problemas familiares, Hannah e Anna estão separadas por épocas, situações e costumes diferentes, o que ajuda o leitor a transitar pela história com mais tranquilidade.  

E a gente se apega muito aos personagens, pode ter certeza. Todos eles recebem uma descrição física e emocional detalhada, o que faz o leitor devorar as páginas o mais rápido possível para saber o fim de cada um. Você torce para que tudo dê certo, mesmo sabendo que poucos foram os finais felizes para os afetados por Hitler e seus sérios problemas. Leo, inclusive. Ele é o melhor amigo de Hannah, o garoto com os cílios longos e olhar brincalhão, que a traiu da pior forma possível, mas que não tinha intenção de nada. Os desenhos de mapas que ele fazia nas poças serão uma das muitas lembranças literárias que você, leitor, levará para a vida. 


Sobre a escrita do autor, ela é bem verdadeira. Ele dá voz às pessoas e aos lugares que mais sofreram durante a perseguição nazista. A leitura, por conta disso e da carga emocional por trás das palavras, é um pouco difícil, mas não impossível. Falando na leitura, a tensão pré-guerra pelos olhos de uma criança é bem mais dolorosa por conta de toda a sensibilidade infantil que existe. Por exemplo, Hannah e Leo encontravam abrigo um no outro para esquecer o que estava acontecendo, e chamavam os uniformizados e simpatizantes de Ogros. Tudo isso para minimizar a imensidão do problema. 

Além disso, sua escrita também é imersiva. As frases curtas e o pouco uso de palavras difíceis, já que são crianças narrando a história, ajudam nessa imersão. Por exemplo, foi muito difícil ler o momento em que a família está andando na passarela para embarcar no St. Louis. A sensação transmitida é de aflição, já que existe uma possibilidade de encontrarem algum defeito na documentação legalizada, o que faria a família de Hannah ficar presa na Alemanha Nazista. Você segura a respiração e consome as palavras com ansiedade para descobrir se eles realmente teriam uma chance de sobrevivência ou se foi tudo apenas uma grande ilusão do autor.

E não posso terminar esta resenha sem dizer que a apuração realizada pelo autor é esplêndida: a bibliografia utilizada, a nota dele ao final do livro, o acervo de imagens que foi cedido e toda a pesquisa envolvendo o St. Louis. Tudo isso o ajudou a pintar os meses que antecederam a Segunda Guerra Mundial para toda uma Berlim em retrocesso, os anos de Revolução em Cuba para os que não acreditavam nos novos ideais, as consequências do 11 de Setembro para os nova-iorquinos e muito mais. 

A Garota Alemã é um livro cruel, verdadeiro e desolador, mas extremamente importante. Com as histórias de Hannah e Anna, duas meninas que foram marcadas de alguma forma pela crueldade de um período da história, você terá mais uma chance para tentar compreender o que milhares de seres humanos sofreram e, de certa forma, continuam sofrendo. 



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