Antes que eu me esqueça:
como sobrevivi a um diagnóstico de demência aos 46 anos
Christine Bryden
ISBN: 978-85-5503-061-1
Ano: 2018
Páginas: 207
Idioma: Português
Editora: Seoman
Classificação: 5 estrelas
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SINOPSE: Quando tinha apenas 46 anos de idade, Christine Bryden – bioquímica, consultora do primeiro-ministro australiano na área de ciências e mãe de três filhas – foi diagnosticada com demência de início precoce, disfunção mental que abrange uma gama de doenças, entre elas o Alzheimer. Os médicos lhe disseram para deixar sua vida em ordem, pois, em breve, ela não conseguiria mais fazer isso. Vinte anos depois, ela ainda trabalha com afinco para reconectar seu cérebro – que já foi seu grande trunfo e hoje é seu grande desafio –, mesmo quando ele perde a sua função. De forma corajosa e inspiradora, Christine relata suas sensações e desafios diários, deixando um legado para as pessoas que sofrem de Alzheimer e para aqueles que se preocupam com elas.
Resenha:
Às vezes é necessária a leitura de uma autobiografia como Antes que eu me esqueça, de Christine Bryden, para a gente valorizar o nosso cérebro e a entender que sempre existe esperança para uma pessoa diagnosticada com demência. Com cautela, Christine explica que essa palavra descreve um declínio progressivo da memória e de outras habilidades de pensamento. E logo nas primeiras páginas somos convidados a entender a realidade da autora: são vinte anos convivendo com uma demência atípica, que evolui muito lentamente sem ninguém saber ao certo o motivo.
“O mundo parecia o mesmo, mas era como se tivesse acontecido um terremoto – uma mudança sísmica entre meu passado e meu presente. O futuro era um buraco negro que sugava minhas emoções.” (pág. 18)Tudo aconteceu em 1995, quando Christine tinha 46 anos. Na época, ela trabalhava no setor público australiano, estava recomeçando a vida depois de um relacionamento abusivo e tinha erguido uma relação forte com a Igreja. No começo, ela pensou que as enxaquecas constantes eram culpa do estresse que passava no trabalho. Depois, Christine começou a esquecer de coisas simples, como as senhas dos cartões, os nomes de algumas pessoas da empresa e os caminhos que precisava fazer com o carro para levar as filhas para a escola. Foi assim o início de uma jornada que completa 20 anos.
“Todo erro que cometo, sei que as pessoas atribuem à minha doença, assim como elas costumavam atribuir qualquer erro que eu cometesse ao fato de eu ser mulher, portanto, não posso me dar ao luxo de cometer nenhum erro.” (pág. 70)Do mesmo jeito que a autora divide a sua vida adulta em antes de saber que tinha demência e o que veio depois desse diagnóstico, tomo a liberdade para dividir o livro da mesma forma. Ela conta que foi criada em um ambiente estimulante, em que seus pais exercitavam a sua memória com jogos. Inteligente, sempre conseguia as melhores notas. Mas, enquanto na vida acadêmica conseguia estar sempre no topo, na vida pessoal a solidão era sua única companheira. Christine diz que sempre quis construir uma família, mas passou a grande parte da adolescência sofrendo com problemas de autoestima. Para completar, conviveu por muito tempo com um homem que não a respeitava.
“Eu tinha 46 anos e não conseguia acreditar naquelas palavras. Era como se a terra tivesse se movido sob meus pés. Meu cérebro havia acabado de ser rotulado e trancado numa caixa chamada demência. Será que algum dia ele voltaria a ser o mesmo?” (pág. 99)Após o diagnóstico, Christine ainda sofreu com um tumor benigno na perna e problemas oriundos da osteoporose. Mas, diferente da solidão que a rondava antigamente, agora ela tinha amigos, as três filhas e o companheirismo de seu atual marido, o Paul. Hoje em dia ela continua trabalhando, mas desta vez em prol das pessoas diagnosticadas ao redor do mundo, fazendo palestras, escrevendo livros e mostrando que a demência não pode ser deixada de lado e precisa ser discutida.
“Nosso cérebro contém a nossa identidade: a nossa personalidade, a nossa generosidade, o nosso humor, a nossa capacidade de amar. Eu não queria perder essa parte de mim – e ainda não quero.” (pág. 109)
“Podemos descobrir maneiras de participar da vida com generosidade e afeto, restaurando o nosso sentimento de valor e significado. Assim fortalecidos, descobrimos novamente que podemos enfrentar e vencer os desafios e afirmar a nossa coragem e a nossa dignidade.” (pág. 139)Surpreendentemente, a história de sua vida contada no livro não se baseia apenas na demência. Christine também faz relatos cruéis sobre sua relação com a anorexia nervosa e a depressão, a solidão que sempre a acompanhou, como foi ser uma vítima da violência doméstica por mais de vinte anos, a automutilação da própria filha e o machismo que precisou aguentar na área em que trabalhava (dominada por homens). Aqui, percebemos suas infelizes experiências e como elas contribuíram para a construção da sua vida.
“Somos seres temporários neste planeta, que viemos ao mundo na forma terrena, percorremos os caminhos da vida numa teia dinâmica de relacionamentos e desaparecemos com a morte.” (pág. 175)
“Estou saindo das trincheiras do desespero e agitando a minha bandeira surrada de esforço e reabilitação. Serei corajosa; viverei o momento presente: tentarei até mesmo me superar. Não estou apenas seguindo em frente, tenho grandes ambições. Estou comemorando meu vigésimo ano de sobrevivência, olhando para trás, para a montanha-russa pela qual passei para chegar até aqui.” (pág. 181)A escrita de Christine, que contou com ajuda de outras pessoas, é bem objetiva. O problema é que a leitura é muito difícil. Isso acontece porque o relato dela é o mais pessoal possível, seus momentos de deterioração são repletos de detalhes imersivos e eu sempre precisava parar a leitura para respirar. Você se emociona muito rápido com ela e a sua história de vida. Por exemplo, o capítulo Um dia ruim com demência é o mais explicativo com relação ao dia a dia dela e o mais penoso de ler. Ela conta, entre outras coisas, como é complicado viver dentro de casa sempre esquecendo que deixou alguma panela no fogo ou a roupa no varal em um dia de chuva.
Além dessa dificuldade de leitura, eu não tinha um conhecimento prévio sobre a demência e o que acontecia às pessoas diagnosticadas. A princípio, pensei que isso seria um grande empecilho, mas foi apenas um medo bobo. Christine realmente usa termos médicos e nomes de exames específicos (cintolografia de perfusão cerebral, testes psicométricos, etc.), mas ela os explica sempre em parênteses ou reserva um parágrafo para deixar quem está lendo a par de tudo.
Uma coisa que também preciso comentar referente à leitura foi o quanto ela ensina e a gente aprende. Se você é como eu e não tem muitas referências, o livro é uma grande aula sobre a demência. Isso ocorre porque não estamos lendo um livro escrito por um facilitador (termo que ela utiliza para substituir o “cuidador”) ou um especialista na área, estamos lendo o relato comovente e real de uma pessoa que convive diariamente com os empecilhos impostos pela demência. Fiquei tão curiosa para saber mais, que pesquisei artigos e vídeos que pudessem suprir as minhas dúvidas. Um desses vídeos (https://youtu.be/Erjzl1WL8yQ) é muito emocionante, já que transporta a gente para a perspectiva de quem foi diagnosticado. Vale a pena conferir!
Christine Bryden, sua história de vida e a forma como enfrenta as batalhas diárias da demência são os motivos necessários para você ler a autobiografia Antes que eu me esqueça. Não sinta receio em ter empatia por Christine, ela é uma grande fonte de inspiração para milhares de pessoas nas mesmas condições.
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