9.6.18

[Resenha #1633] Cartas de um Diabo a seu Aprendiz - C. S. Lewis @ThomasNelson_br


Cartas de um Diabo a seu Aprendiz
C. S. Lewis
ISBN-13: 9788578601843
ISBN-10: 857860184X
Ano: 2017
Páginas: 208
Idioma: português 
Editora: Thomas Nelson
Skoob
Classificação: 5 estrelas
Compre: Amazon
Sinopse: Irônica, astuta, irreverente. Assim pode ser descrita esta obra-prima de C.S. Lewis, dedicada a seu amigo J.R.R. Tolkien. Um clássico da literatura cristã, este retrato satírico da vida humana, feito pelo ponto de vista do diabo, tem divertido milhões de leitores desde sua primeira publicação, na década de 1940; agora com novo projeto gráfico, tradução atual e capa dura.Cartas de um diabo a seu aprendiz é a correspondência ao mesmo tempo cômica, séria e original entre um diabo e seu sobrinho aprendiz. Revelando uma personalidade mais espirituosa, Lewis apresenta nesta obra a mais envolvente narrativa já escrita sobre tentações — e a superação delas.



RESENHA: 

O livro Cartas de um diabo a seu aprendiz, do autor C.S. Lewis, traz toda a sabedoria do demônio Fitafuso. Outrora um ótimo Tentador, agora um membro importante na administração da Faculdade de Treinamento de Tentadores, no Inferno, Fitafuso é o demônio certo para ensinar o sobrinho Vermebile, um jovem aprendiz recém-formado, a conquistar a alma de um “paciente”. 
“Pelo Próprio ato de argumentar, você desperta a razão do nosso paciente; uma vez desperta, como saberemos o que daí poderá resultar?” (pág. 2)
“É engraçado como os mortais sempre nos imaginam enfiando ideias em suas cabeças, quando, na verdade, somos peritos em deixar coisas de fora.” (pág. 18)
“Em tempos de guerra, nem mesmo um ser humano acredita que viverá para sempre.” (pág. 24)
“Ele será nosso, contanto que encontros, panfletos, politicagens, movimentos, causas e cruzadas sejam mais importantes para ele do que preces, sacramentos e caridade.” (pág. 35)
“Enquanto ele viver na Terra, períodos de riqueza e vitalidade física serão alternados com períodos de pobrezas e enfraquecimento.” (pág. 37)
É durante a Segunda Guerra Mundial, com base nas Escrituras do Nosso Pai nas Profundezas, que o demônio explica por meio de cartas as melhores táticas para afastar o paciente do Inimigo. Segundo Fitafuso, o sucesso na conversão dos seres humanos está na argumentação. Vermebile precisa usar de sua lábia para guiar o paciente e induzi-lo a se tornar materialista e cético. É dessa forma que essa alma se afasta da Luz e é levada para o Nada.  

Além de críticas negativas ao método do Inimigo de conseguir almas fiéis ao longo dos séculos, as dicas para que Vermebile obtenha sucesso consistem em enfraquecer a alma do paciente e evitar a formação de virtudes. Assim, o jovem Tentador precisa encorajar o paciente a ter uma falsa espiritualidade, a se afastar da Igreja e da intenção de rezar, a olhar para si mesmo e a sentir ansiedade e ódio. 
“Possuir a alma de um homem e não lhe der nada em troca – é isso o que realmente alegra o coração do Nosso Pai.” (pág. 43)
“Uma religião moderada é tão proveitosa para nós quanto religião nenhuma – e ainda mais divertida.” (pág. 44)
“Todos os mortais tendem a se transformar naquilo que fingem ser; esta é uma lei básica. A verdadeira dificuldade está em preparar-se para o contra-ataque do Inimigo.” (pág. 48)
 “De fato, o caminho mais rápido para o Inferno é aquele que é gradual – um leve declive, um caminho suave, sem curvas abruptas, sem marcações e sem placas.” (pág. 60)
 “(...) quando, finalmente, aprenderem a amar o próximo como a si mesmos, terão permissão para amar a si mesmos como a seus próximos.” (pág. 70)
Cada capítulo é uma carta em resposta a algum relatório enviado pelo sobrinho aprendiz. Elas não têm datas, mas durante a leitura percebemos que os envios começam no início da Segunda Guerra. Mesmo não tendo afirmado com todas as letras, o autor oferece detalhes que justificam esse ponto, como quando o paciente de Vermebile começa a temer um bombardeio em seu bairro, ou quando Fitafuso descreve os sentimentos que assolam os seres humanos durante uma guerra. Mesmo que o conteúdo do livro seja composto em sua grande parte por cartas, elas são lineares e acompanham a vida do paciente dentro desse contexto.
“Toda a filosofia do Inferno se baseia no reconhecimento do seguinte axioma: uma coisa não é outra coisa e, principalmente, um ser não é outro ser.” (pág. 90)
“No fundo, Ele é um hedonista. Todos aqueles jejuns, vigílias, martírios e cruzes são só fachada.” (pág. 110)
“As criaturas sempre acusam umas às outras de querer ao mesmo tempo duas coisas opostas; mas, graças a nossos esforços, em geral eles sempre se encontram na delicada situação de pagar por ambas sem ficar com nenhuma.” (pág. 160)
“os deuses são incomuns aos olhos mortais, mas ainda assim não são estranhos.” (pág. 165)
“Vocês serão Tentadores de indivíduos. Contra eles, ou através deles, o nosso contra-ataque assume forma diferente.” (pág. 188)
“O valor derradeiro, para nós, de cada revolução, guerra ou fome está na angústia de cada um, na traição, no ódio, na ira e no desespero que ela poderá produzir.” (pág. 200)
Na teoria, temos três personagens. O destinatário, o remetente e o objeto de discursão. Só que eles estão rodeados pelas devoções a Lúcifer, considerado o Pai nas Profundezas, e a Deus, tratado pelos demônios como o Inimigo. Apesar das críticas às ações de Deus e ao Cristianismo, a gente percebe que Fitafuso o respeita quando usa palavras como Ele, Seu e O – em maiúsculo. Mesmo que isso aconteça por elas serem palavras derivadas de um nome próprio, o demônio tem a liberdade para escrever de qualquer forma, mas, mesmo assim, ele escolhe respeitar a escrita cristã.  

Não posso mentir, a leitura é difícil e exige muito do leitor. Ouso dizer que o livro não é para qualquer um e muito menos para qualquer momento da vida. Mesmo com o sarcasmo, a ironia e o humor impregnados em algumas passagens, o conteúdo das cartas precisa ser refletido, analisado, mastigado e, só depois de um tempo, engolido. Como tenho pouco contato com a fé cristã, considero o livro uma aula dos ensinamentos de Deus. É como se o autor se dispusesse a explicar a mente humana e a Bíblia. Uma dica: ler em voz alta pode ajudar ainda mais a compreender o que está sendo proposto. 

Por meio de comentários irônicos do demônio e dicas de investidas, somos ensinados, além de outras coisas, que Deus deseja a nossa liberdade de escolha, ou seja, Ele se abstém do papel de condutor em nossas vidas. Um quote que exemplifica muito bem a proposta do livro pode ser encontrado na página 38: “Nós queremos apenas um gado que finamente poderá ser transformado em alimento; Ele quer servos que finalmente poderão tornar-se filhos. Nós queremos sugá-los; Ele quer fortalece-los. Somos vazios, e por isso queremos ser preenchidos; Ele está repleto e transborda. Nosso objetivo nessa guerra é um mundo no qual o Nosso Pai nas Profundezas possa absorver todos os outros seres nele mesmo; o Inimigo quer um mundo repleto de seres unidos a Ele e ainda assim distintos.” 

Para você entender um pouco mais da essência das cartas, peguei um exemplo dos muitos assuntos que Fitafuso aborda. Sobre o desejo humano com relação ao sexo, ele fala que a melhor estratégia de um demônio é fazer com que seu paciente homem torne primordial o papel da estética na sexualidade, o que dificultaria mais para frente sua vida em termos românticos – a aparência e a desenvoltura são as únicas coisas que deveriam importar em uma mulher. Aqui, a meu ver, ele diminui a mulher para um simples objeto sexual. Se levarmos em consideração o fato de ser um demônio falando, o contrário de toda a situação é o correto. Mas não existe necessidade de citar o óbvio. 

Entre muitas dicas de como debilitar os princípios de um ser humano, existe uma que me deixou abalada. Sobre o alcoolismo, Fitafuso fala que a melhor forma de tornar um paciente dependente do álcool é empurrando a bebida em sua goela. Não como uma forma de diversão, ao lado de pessoas que ele ama e em um momento de alegria. Aqui está a questão, torne uma pessoa alcoólatra ao empurrar a bebida como solução para a apatia e a exaustão, duas coisas resultantes de uma vida no automático.  

E, na minha percepção de leitura, gosto de dividir o livro em duas partes. Na primeira, temos as cartas. E a última nos diz o resultado de todo o ensinamento do diabo ao seu sobrinho aprendiz – que envolve diretamente a alma de um ser humano. Na segunda, ao fim do livro, temos a descrição de um discurso proferido por Fitafuso na Faculdade de Treinamento de Tentadores, lá no Inferno, em um jantar anual aos jovens aprendizes. Nele, o demônio comenta não apenas sobre as almas que o banquete está oferecendo, que incluem um político corrupto e traidores, mas também sobre o Socialismo Cristão, a liberdade, a democracia, a inveja e a educação. Tudo isso para mostrar como o ser humano, apesar de já ter lugar reservado no Céu, ainda sim prefere sentir o Inferno. Segundo informações do próprio livro, esse discurso foi escrito anos depois por C. S. Lewis. O autor, que sentiu “cãibra espiritual” com as cartas, preferiu não voltar ao mundo de Fitafuso. Para a nossa sorte, ele reavaliou essa decisão. 

Cartas de um diabo a seu aprendiz é uma leitura complexa. O autor de Nárnia nos faz questionar a veracidade da vida que vivemos, o que nos apegamos e acreditamos, as influências externas que ditam nossa conduta, a ligação rotineira com os pecados e a subjetividade do ser humano – tão única e tão atraente. Recomendo que os leitores tenham a mente aberta, tolerante e livre de preconceitos. Vocês precisam estar dispostos a refletir sobre o que Fitafuso escreveu ao seu sobrinho, mesmo que muitas questões envolvam crenças diferentes das suas. 



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